Prezado(a) Cliente,

Talvez você já tenha cogitado em se desligar ou até mesmo ingressar em uma sociedade empresarial que já se encontra em andamento e que tenha ou já teve empregados. Trata-se de transição societária comum e frequente.

Contudo, qual a responsabilidade remanescente do ex-sócio em relação aos empregados ativos ou já demitidos após a sua saída da sociedade?

Uma vez se retirando da sociedade o ex-sócio ainda pode responder juridicamente por passivos trabalhistas? Se sim, por quanto tempo e quais os limites dessa responsabilidade?

E o sócio que acaba de ingressar na sociedade, ele possui responsabilidade pelos passivos gerados, nas relações de trabalho, pelo passado em que não figurou como sócio?

Pensando nisto e para melhor entendimento, publicamos o presente artigo, elaborado pelo Professor e Juiz do Trabalho Dr. Felipe Bernardes.

Esclarecemos que a Scalabrini & Associados oferece serviços de due diligences(diagnóstico ou auditoria legal) nas áreas contábil, tributária, societária, trabalhista, financeira e jurídica com o fito de identificar todo o ativo e passivo de uma sociedade, considerando que estas são frequentemente devedoras de débitos ocultos ou ainda não contabilizados.

Esperamos que faça uma boa leitura!

Por Prof. Felipe Bernardes

art. 10-A, CLT é mais um dos dispositivos novos da Reforma Trabalhista, o qual aborda a situação do “sócio retirante”.

O que é sócio retirante?
Este é o sócio que se retira, que se desliga de uma empresa, ou seja, o sujeito deixa de ser sócio da empresa.

Sabe-se que, no processo do trabalho, aplica-se a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, o sócio responde pelas dívidas da empresa da qual é sócio.

Este é um tema que sempre gerou discussão na jurisprudência e na doutrina, a fim de que se soubesse até que ponto o sócio responderia; se responderia por períodos anteriores, por períodos posteriores ao seu desligamento; se haveria alguma limitação temporal com relação a isso.

Pacificando essa discussão, trazendo segurança jurídica, a Reforma previu que o sócio retirante (aquele que se retira de uma empresa) responde subsidiariamente, ou seja, uma vez que se frustre à execução contra a empresa (que é o empregador, o devedor principal), o sócio será também executado.

Ainda, o dispositivo previu uma ordem preferencial:
1º) Tentar-se executar o patrimônio da empresa (empregadora);
2º) Os sócios atuais, ou seja, os sócios que estão no contrato no momento em que a execução trabalhista está acontecendo;
3º) O sócio retirante.

Reza o art. 10-A, CLT (atente-se para as partes sublinhadas, posto que são as mais importantes):
“Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência:

I – a empresa devedora;
II – os sócios atuais; e
III – os sócios retirantes.
Parágrafo único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato.”

O primeiro ponto importante é que o sócio responde apenas com relação às dívidas trabalhistas do período em que figurou como sócio.

Exemplo: o sócio retirante saiu da empresa em maio de 2017, no entanto, o trabalhador continua prestando serviços até 2018. O sócio não responderá por essa dívida futura, isto é, por dívida que a empresa ainda vai contrair, após o desligamento do sócio; o sócio só responde pelas dívidas pretéritas, pelas dívidas passadas, aquelas dívidas que já existiam quando o sócio se desligou. Logo, o sócio não responde pelas dívidas posteriores ao desligamento.

Outro aspecto importante é a respeito da limitação temporal.

O sócio somente vai responder pelas dívidas pretéritas, anteriores ao seu desligamento, se a ação trabalhista for ajuizada no período de até 02 (dois) anos após a AVERBAÇÃO da modificação do contrato (contrato social da empresa).

Exemplo: a empresa limitada possui um contrato social que prevê os sócios. Diante da retirada do sócio, é feito um distrato parcial da sociedade, o qual deve ser levado a registro público, normalmente, na Junta Comercial. Portanto, é na Junta Comercial que este documento modificador do contrato social da empresa deverá ser averbado.

A partir dessa averbação, conta-se os 02 (dois) anos, ou seja, depois da averbação na Junta, é que se começa o prazo de 2 (dois) anos para o trabalhador ajuizar a reclamação trabalhista e poder responsabilizar esse sócio.

Importante destacar a ressalva feita no parágrafo único (situação de fraude). Esse dispositivo foi mal interpretado quando a Reforma ainda era um projeto de lei em trâmite na Câmara.

Houve quem sustentou que esse dispositivo apresentava uma blindagem patrimonial, em que o sócio deixaria de responder. Porém não é isso que ocorre. Isto é um princípio geral de direito.

Exemplo: laranja – o sócio faz um contrato social e transfere para um laranja, pessoa de sua confiança. Essa pessoa irá assinar pela empresa, mas, de fato, quem vai exercer a administração da empresa ainda será o próprio sócio. Trata-se, portanto, de um caso de fraude.

Uma vez comprovada a fraude nessa alteração contratual, o dispositivo, corretamente, prevê que, tanto o sócio, quanto o laranja, irão responder.

Portanto, esse dispositivo a respeito do sócio retirante não se aplica em caso de fraude; esse dispositivo aplica-se para aquelas saídas, retiradas dos sócios do contrato social que não sejam fraudulentas, ilícitas.

SITUAÇÕES POSSÍVEIS NA PRÁTICA TRABALHISTA
Suponhamos que, em todos os casos a serem analisados, o contrato de trabalho terá vigorado de janeiro de 2010 a janeiro de 2015. Dessa forma, será ajuizada uma reclamação trabalhista por esse empregado.

Diante disso, até onde vai a responsabilidade do sócio retirante em cada situação?

1ª) Sócio retirante “de fato”: 
Sócio retirante “de fato” é aquele que se desliga da empresa, faz o instrumento do contrato social se desvinculando daquela empresa, mas não averba essa modificação na Junta Comercial. Ou seja, essa desvinculação não é levada para o conhecimento de terceiros, configura-se como um “contrato de gaveta”.

Esse contrato/modificação vincula os sócios, mas não possui eficácia perante terceiros, eficácia perante o trabalhador, posto que não fora averbado na Junta Comercial.

Exemplo: sócio saiu da sociedade em 2012; na execução trabalhista, ele junta o“contrato de gaveta” alegando que se desligou da empresa em 2012, mas não averbou. Não importa. O sócio vai responder até 2015.

Destaca-se que o sócio só responde quanto às dívidas existentes até o momento em que se desligar da empresa, mas desde que esse desligamento seja averbado; uma vez não sendo sua retirada averbada, o sócio responderá por todo o período, inclusive, o período posterior.

Exemplo²: o sócio saiu em 2012, mas só averbou em 2014. Nesse caso, o sócio responderá até 2014.

Essa retirada “de fato” não tem eficácia, não tem importância jurídica.

2ª) Ação trabalhista é ajuizada no prazo correto (02 anos após a averbação da retirada do sócio), mas o processo demora em sua tramitação.
Exemplo: o empregado trabalhou na empresa até janeiro de 2015, o sócio saiu da empresa em janeiro de 2016 e a reclamação trabalhista foi ajuizada em março de 2016. O sócio responde pelas dívidas da empresa, desde que a ação tenha sido ajuizada até 02 (dois) anos depois da averbação da sua saída. Nesse caso, em tese, o sócio poderá ser responsabilizado pelas dívidas até janeiro de 2018.

Suponhamos que se trate de um processo demorado, com interposição de recurso ordinário, recurso de revista para o TST, recurso extraordinário para o Supremo, ou seja, é um processo que até chegar o trânsito em julgado, até chegar a hora de executar, já estamos em 2023.

O sócio que saiu em janeiro de 2016 não poderá sustentar que somente está obrigado a responder pelos 02 (dois) anos seguintes. O que importa é a data em que foi ajuizada ação. A demora na tramitação do processo, seja por culpa do Judiciário ou não, pouco importa. O que importa é a data em que foi ajuizada ação; é assim que será deferido o marco de 02 (dois) anos.

Logo, se a ação foi iniciada/deflagrada dentro de 02 (dois) anos, o sócio responde.

3ª) Situação em que o contrato de trabalho permanece em vigor após a retirada do sócio.
Exemplo: o reclamante trabalhou de 2012 até janeiro 2017, contudo, em janeiro de 2016, o sócio, na Junta Comercial, averbou a sua saída, de forma que responderá por créditos trabalhistas de 2012 até janeiro de 2016. O salário de fevereiro de 2016, o aviso-prévio, as horas extras que o empregado prestou a partir de fevereiro 2016 não poderão ser cobradas do sócio; se o sócio averbou a sua retirada na Junta Comercial, não tem como ser imputado a dívidas seguintes, salvo em caso de fraude, conforme já ressalvado.

Não sendo caso de fraude, o sócio terá essa limitação temporal.

4ª) Novos sócios.
Reza o art. 1.025 do Código Civil: “Art. 1.025. O sócio, admitido em sociedade já constituída, não se exime das dívidas sociais anteriores à admissão” . Uma pessoa quando ingressa para ser sócio de uma sociedade empresária, esse novo sócio responde por todas as dívidas daquela sociedade, ainda que anteriores.

Exemplo: empregado trabalhou na empresa de janeiro de 2010 a janeiro de 2015; o sócio ingressou na empresa em 2017. Esse novo sócio responderá por eventual dívida desse trabalhador que laborou de 2010 a 2015. Isso acontece porque, quando o sujeito ingressa para ser sócio de uma empresa, este assume todo o passivo anterior.

Importante não confundir: o passivo posterior à averbação não é de responsabilidade do sócio. Exemplo: sócio se desligou em 2019; o trabalhador laborou em 2020. Nesse caso, o sócio não responde pelo futuro; a partir de quando houve a averbação da modificação do contrato social, o sócio não responde mais.

Contudo, o sócio responde pelo passado. Exemplo: dívida de 1980, podendo ser dívida de 30 anos, isso pouco importa. O sujeito que ingressa como sócio em uma empresa assumetodo o passivo trabalhista.

Perceba que essa modificação trazida pela Reforma é salutar, positiva, trazendo segurança jurídica e acolhendo o entendimento que vinha sendo majoritário na doutrina e na jurisprudência.

Cordialmente,

Felipe Bernardes é Juiz do Trabalho da 1º Região. Especialista em Direito Processual do Trabalho, professor e coordenador dos Cursos para Juiz do Trabalho e Procurador do Trabalho do Curso Ênfase. Palestrante em Escolas Judiciais de Tribunais Regionais do Trabalho e autor de obras jurídicas.

Scalabrini & Associados

Atenção: Esta publicação foi feita mediante autorização do autor para a Scalabrini & Associados. Sua reprodução ou compartilhamento somente será permitida mediante autorização expressa e desde que divulgada sua fonte e autoria.

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